12/26/2012

Depois Daquela Viagem - Valéria Piassa Polizzi


Diário de bordo de uma jovem que aprendeu a viver com AIDS”. Uma história de força, de coragem, de superação. Valéria é uma grande mulher no auge de sua adolescência. Uma garota como tantas outras. Forçada, como tantas outras, a amadurecer. A vida às vezes parece injusta.
Valéria é uma garota como tantas outras garotas. Ela é jovem, gosta de se divertir, gosta de viajar, gosta de amigos e sonha em ser alguma coisa, em alcançar algum lugar e está no caminho certo. Aos 16 anos, como quase todas as garotas, tinha um namorado. Um namorado mais velho.
Desse relacionamento surgiram muitas coisas novas: o amor, o comprometimento, a relação sexual, o ciúme e a violência, mas, infelizmente, somadas essas coisas não resultaram em algo saudável.
Na época do seu primeiro namoro a AIDS ainda era um fantasma que assombrava apenas ao gays e as prostitutas. Pura bobagem! Hoje é claro que sabemos que qualquer um está sujeito a uma dessas DSTs e que a única forma de se livrar delas é o uso de camisinha. Mas Valéria não sabia disso e acabou por não usar. Resultado? Ela contraiu HIV.
Depois de um fim de namoro conturbado porque apanhava do namorado e tinha medo de contar, até que finalmente foi vista apanhando pela avó passaram-se dois anos até que uma dor a levou ao médico.
Os sintomas acusavam dor no esôfago e foi o que o médico foi averiguar, apesar de ter dito que ninguém daquela idade tinha dor ali. Mas ela tinha. E tinha mais: sapinho, ou melhor, candidíase. E aí foi uma bateria de exames, um curto período de tempo e BAM! Lá veio o resultado. Ela estava com AIDS.
Fico imaginando como é, na época em que uma doença é considerada o mau do século, você a pegar. O que é se imaginar morrendo aos poucos, definhando. Não deve e realmente não foi fácil também para Valéria e sua família.
Durante o fim do seu Ensino Médio apenas seus pais e alguns tios e tias sabiam sobre a doença. Valéria se recusou a tomar os remédios que aumentavam sua imunidade, talvez por estar descrente de tudo, afinal, quem não estaria?
Se há algum motivo pra ninguém ter sabido sobre sua doença? Preconceito. As pessoas acham que respirar o ar de um soro positivo é sinônimo de contrair a doença. Pelo contrário, até mesmo o sexo com camisinha pode ser livre da contaminação.
Quando terminou o Ensino Médio Valéria fez vestibular. Entrou para a universidade e largou em pouco tempo. E porque? Porque ela morreria, pelo menos, era o que pensava. Não teria tempo de concluir o curso, e, se tivesse, não teria forças para exercer a profissão. Acabou também por afastar-se dos amigos.
Pra não ficar sem fazer nada resolveu dedicar-se a um curso de teatro. Terminou mas não foi exercer a profissão. Resolveu ir para a Califórnia estudar inglês (na verdade, aprimorar o inglês que já tinha adquirido e fugir das pessoas que ela não queria prejudicar com a sua convivência).
Ao chegar a um novo país, deparou-se com culturas diversas de estudantes do mundo todo. Chineses, coreanos, árabes, americanos, russos... Todos ali, cada um com a sua forma de viver e tornando-se, um para o outro, grandes amigos... Amigos? Não era o que Valéria se considerava, é claro, e o motivo? Ela não tinha coragem nenhuma de contar para ninguém que estava doente.
E não contou mesmo. Não contou até que precisou conhecer uma das primeiras pessoas que ajudaram a virar a vida de Valéria do abismo e ir para o horizonte: o doc. Gust. Valéria precisou consultar o médico da universidade e, por ser uma paciente soropositiva, precisou contar toda a sua história. Claro, ele não era um especialista, mas fez todas as recomendações de exames, tratamentos e etc. que ela deveria fazer. No início resistiu a todos os tipos de remédios existentes nos Estados Unidos para controlar a doença. Estava em depressão. Não enxergava sentido na vida. 
Ainda sem sonhos e sem remédio terminou o curso. Enquanto ainda o fazia, conheceu Lucas, um homem que se tornou um grande amigo. Ensinou Valéria a se distrair, a pensar menos, a meditar. Eles faziam trilhas, iam a cafés, subiam montanhas e viam filmes juntos. Um outro lado importante da vida: os amigos.
Helen era sua professora e, quando não podia mais ficar na universidade, passou a dividir a casa com Valéria. Uma nova amiga, pra quem Valéria teve coragem de contar tudo e acabou se surpreendendo: para Helen, não havia problema algum, além do mais ela ajudou Valéria a tomar coragem e contar tudo para Lucas, afinal, ele era um grande amigo que merecia confiança.
O momento do falar a verdade foi doloroso para os dois. Lucas chorou e confessou, a partir dali, que passara a entender o modo de ver e falar da vida que Valéria tinha.
Passou Natal e Ano-Novo e o estado de saúde de Valéria não era bom, o que a fez voltar para a casa às pressas. Algumas despedidas de pessoas queridas de um lado da América e a chegada ao outro lado: ah, como era bom estar em casa. Mas infelizmente nem a volta para a casa ajudou. Valéria ficou muito tempo internada em idas e vinda no hospital onde conheceu muita gente disposta a ajudar (enfermeiras, auxiliares, faxineiras e estagiários) onde conheceu dois novos amigos: o Dr. Anjo e o Dr. Afeto, que antes era o Dr. Infecto. porque era, para Valéria, desumano e horrível.
Mas nada como uma releitura da vida em momentos de apuros para perceber que ele precisava ser um homem frio. Ele precisava ser aquilo que ele demonstrava para ajudar a controlar uma doença tão destrutiva como a AIDS.
Juntos, família (agora já toda sabendo sobre a doença de Valéria), amigos (também todos sabendo) e equipe do hospital convenceram Valéria a tomar os medicamentos e ficar bem. Não foi fácil, houveram muitos efeitos colaterais mas ela conseguiu manter-se viva e firme ao lado daqueles que, agora ela sabia, jamais a abandonaria.
A mensagem que fica com essa história é o valor da informação, da precaução e do cuidado. Uma coisa simples que todo jovem sabe pode ser importante para mudar uma vida inteira. AIDS não mata. O que mata é a vergonha, o preconceito. AIDS não é sinônimo de morte. Não é uma catástrofe iminente. Pode ser apenas uma porta por onde outras coisas possam entrar.

E esse pode ser o lado bom da AIDS, pensei, fazer com que eu saia do lugar-comum e consiga ver as coisas por um prisma diferente.


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